O amor multiplica

Amor multiplica

Em 1958, o Waldeir foi curtir as férias em uma pequena cidade do interior, onde havia passado a sua infância e adolescência.

  • No primeiro final de semana, um rebuliço na praça indicava que a noite prometia: era dia de baile.

Waldeir não estava na lista de convidados, mas, como não queria perder a farra, combinou com a turma de chegar lá na cara e na coragem — afinal, festa boa sempre tem penetra, né?

Ele não se lembra da roupa que vestiu, nem do destilado que bebeu antes de chegar no evento. Tudo isso o tempo levou, mas ele nunca vai se esquecer da loirinha de rabo de cavalo que encontrou no salão.

Como era de costume na época, Waldeir se aproximou e a convidou pra dançar. A Maurinéia não deu muita trela no início, porém, aos poucos, foi se rendendo às investidas do novo par.

  • Por um breve instante, eles se olharam fixamente. O mundo lá fora girava, mas, no abraço que os aquecia, só existia os dois.

Clarice Lispector chamaria esta rara ocasião de “estado de felicidade aguda”. Na hora, Waldeir não escolheu as mesmas palavras da poeta, mas sabia que queria viver para sempre naquela dança.

Os dois se despediram, e marcaram de se ver na semana seguinte. Maurinéia, porém, não compareceu ao encontro e deixou o jovem apaixonado só na vontade de vê-la de novo.

Como Waldeir estava se formando no Exército, ele só tinha folga aos finais de semana. Na época, Maurinéia não sabia, mas todo sábado ele voltava pra cidade — e rezava para trombar com ela na rua.

  • O encontro fortuito não aconteceu. Todas as tentativas de forjar o destino deram errado, até que chegou o dia da formatura dos Oficiais do Exército.

Quando estava aguardando para receber uma solenidade militar, Waldeir olhou em direção ao banheiro, e teve uma surpresa: Maurinéia vindo em sentido contrário, com um vestido rodado e o sorriso mais bonito do salão.

A desconfortável espera pelo reencontro se desfez em apenas um gesto, e os dois se abraçaram como antigos namorados.

Depois veio o primeiro cinema, os primeiros beijos e o primeiro jantar. Hoje, já se passaram mais de 50 anos dessa segunda dança e, para o Waldeir, a cada dia que passa fica melhor.

  • Segundo ele, na vida dos dois não existe tédio. O amor só aumenta, e os olhos da Maurinéia continuam tão penetrantes como naquele baile de 1950.

A diferença agora é que o amor multiplicou. Já são 4 filhos de sangue, 1 de coração e 11 netos. Ah, na verdade, são 13 — porque dois genros queridos também entraram pra família.

Para todos, o vovô Pico e a vovó Néia são um exemplo de casal. Ninguém nunca os viu brigando, mas a Maurinéia fala que a regra é clara: desde que tiveram filhos, as discussões só acontecem no quarto.

Quando estão a sós, eles adoram beber, jogar buraco e viajar pra pescar. A vida em parceria é boa, mas eles também são fãs do agito: encontram com a turma da polícia, a turma do clube e a turma da praia.

  • Desde que os netos vieram, o Waldeir guarda a semana antes do Natal para fazer o clássico “Natal do vovô Pico”.

No dia 25, todo mundo recebia presente do Papai Noel. Mas, no dia 18, o vovô deixava os netos escolherem os presentes no shopping — e ainda passava a tarde brincando no fliperama.

A tradição continua, porém, como estão todos na casa dos 30, o passeio no shopping não acontece mais. Enquanto os bisnetos não chegam, o Natal do vovô Pico é um almoço dos adultos.

Poderíamos dizer que eles vivem uma história de amor eterno, mas ainda seria pouco. Mais do que amar pra sempre, o Waldeir e a Maurinéia se amam todos os dias.

Hoje, com toda a família reunida, o presente mais especial não vai ser o do vovô Pico. Depois de tantos anos recebendo amor incondicional, a Raquel — neta mais velha e queridinha da vovó — tem uma novidade pra contar.

  • Realizando o sonho da Maurinéia e do Waldeir de serem bisavós, ela está grávida de um menino.

A Raquel ainda não sabe como será esse novo capítulo, mas com o exemplo que tem em casa, tem certeza que não faltará amor. Em nome de todos da família, ela só agradece ao vovô Pico e à vovó Néia por tanto.