Minha Menina

Era uma manhã chuvosa de terça-feira, e a professora Luana estava tendo mais um dia corrido. Presa em seus milhares de afazeres, ela pouco se comovia com o que já era rotina.

  • Os alunos aprendiam rápido demais. O ano já estava na metade e o processo de alfabetização estava fluindo naturalmente para a maioria dos pequenos.

Seu trabalho era ensinar, ensinar e ensinar. E, claro, sua parte favorita: desenhar no chão da sala, montar castelos com lego ou contar histórias. Para Luana, brincar trazia magia para a sala, e para a vida.

Depois da atividade lúdica, o sinal bateu e todo mundo começou a se organizar para ir embora. No meio da confusão, uma aluna foi até a mesa da professora e perguntou onde a Bia estava.

Naquele momento, a Luana se deu conta de que uma de suas meninas não aparecia na aula havia três dias.

  • De prontidão, ela ligou para a família dela e recebeu a informação de que a Bia estava gripada. Suspirou aliviada, afinal, um resfriado logo passa, né?

Dois dias depois… Sua menina estava de volta. Ela chegou com o mesmo óculos de armação roxa e o rabo de cavalo bem puxado. A lancheira também era a de sempre, mas seu olhar estava diferente.

A Luana perguntou se ela havia melhorado, e a resposta veio baixinha: estou bem prof Lu, só um pouco cansada.

No dia seguinte, a Bia não apareceu na aula. A professora sabia que precisava seguir o cronograma, mas só conseguia fixar o olhar na porta, esperando ver sua menina chegar.

  • Porém… Ela não chegou. No dia seguinte, faltou de novo e continuou assim pelo resto da semana.

A Luana esperava vê-la na segunda, mas quem apareceu foi a sua avó. Com os olhos marejados, ela contou que a neta tinha sido diagnosticada com câncer.

Usando os ensinamentos de Arthur Schopenhauer, a maior dor é a reconhecida falta de forças onde elas seriam necessárias.

  • A professora sabia que deveria tranquilizar aquela avó aflita, mas como acalmar um coração quando o seu está em pedaços?

Depois disso, elas conversaram mais um pouco e separaram algumas atividades para a Bia fazer em casa. Naquele instante, a Luana percebeu que suas meninas não eram apenas alunas, eram também parte dela.

Quando chegava em casa, todas as suas orações incluíam o nome da Bia. Ela não sabia como deveria proceder na sala, mas escutou o seu coração e contou para os alunos o que estava acontecendo.

Depois disso, em todas as aulas, as crianças faziam desenhos para ela. A professora os guardava com carinho, e entregava para a Bia quando conseguia visitá-la.

No decorrer do segundo semestre, tiveram vários altos e baixos. Momentos em que a Luana se enchia de esperança, bem como situações em que ela engolia o choro e fazia o barco tocar.

  • Até que um dia… A diretora deu a notícia de que a sua menina não tinha aguentado”. Luana, então, teve aquela sensação de câmera lenta, onde o tempo e o espaço não existem.

Ela foi até o canto da sala e desabou a chorar. Chorou uma dor que era só sua. Um vazio agudo que cresceu dentro do peito e escancarou o que nenhum curso de pedagogia conseguiria ensinar.

A diretora se propôs a falar com os alunos, mas a Luana não permitiu. Secou seus olhos, respirou fundo e entrou na sala para cumprir o seu papel.

Para a sua surpresa, naquele momento, os professores eram os pequenos. Antes de qualquer explicação, eles sentiram a sua dor e esperaram o seu retorno de braços abertos.

  • A Luana deu um sorriso, e com muito carinho e cuidado disse que o papai lá do céu tinha cansado de ver a Bia triste, então decidiu levá-la para morar com ele.

Algumas lágrimas brotaram, mas, pela primeira vez, ela lidou com a morte de uma forma suave. Triste e dolorosa, mas suave. Pelos gestos das crianças, ela sabia que a Bia estava entre eles, de alguma forma.

Não apenas nos desenhos de girafa na parede, mas também em cada sanduíche que ela dividiu com os colegas. Em cada olhar, em cada brincadeira e em todos os toques de amor que ela deixou enquanto esteve aqui.

Ela tinha apenas 6 anos, e não teve tempo de aprender a ler. Ela não passou pelos sofrimentos da adolescência, não teve um primeiro namorado e nem profissão. Não pôde organizar sua festa de casamento e não pôde ter filhos. Mas, ela teve amor, e continuará tendo.

Toda vez que a Luana se esquece da intensidade e entrega na qual ela deve viver a sua profissão, ela lembra do ensinamento que a sua menina deixou.

  • Além de pensar na melhor forma de ensinar a tabuada para os seus alunos, ela acredita que o seu dever primordial é enxergá-los e percebê-los como pessoas.

Dizem que os pais amam todos os filhos na mesma intensidade. Guardadas as devidas proporções, a Luana acredita que o amor de um professor pelos seus alunos também deve ser assim.